quinta-feira, 10 de novembro de 2011

NEGURĂ BUNGET

«Focul Viu»
(DVD, Lupus Lounge / Prophecy Productions, 2011) [9.5/10]

Depois de «Măestrit», o último registo áudio dos Negură Bunget a ser efectuado com o triunvirato original constituído por Hypogrammos (guitarra/voz), Sol Faur (guitarra) e Negru (bateria), este DVD é provavelmente o documento definitivo que faltava para assinalar da melhor maneira o fim de um capítulo incontornável na carreira de uma das bandas mais criativas no espectro black metal do sec. XXI. Constituído na sua maior parte por um concerto gravado em Bucareste, em Janeiro de 2008, «Focul Viu» (literalmente “Fogo Vivo”) capta fielmente todo o encanto e todo o misticismo que transborda dos álbuns da formação romena, testemunhando igualmente as extraordinárias qualidades da banda no ambiente ao vivo. Mas não é fácil transpor para a escrita toda a experiência cognitiva proporcionada pelo colectivo ao longo da hora e meia que dura o concerto. Há algo de espiritual, de ritualista na presença da banda em palco. Desde as tiradas intensas e emocionais de black metal às sequências atmosféricas e progressivas, envolvendo toda uma variedade de instrumentações tradicionais como as flautas de pã e de bisel, o xilofone e as guitarras acústicas, a par das vocalizações profundamente evocativas, tudo na performance dos Negură Bunget irradia perfeição e profissionalismo. Centrado em grande medida no material de «Om», o longa duração de 2006 (e talvez a maior obra até hoje da banda), mas também com passagem por magníficas interpretações de momentos de «‘n Crugu Bradului» (2002) e «Măiastru Sfetnic» (2000), «Focul Viu» fica para a posteridade como uma assombrosa celebração do legado deste grupo da histórica Transilvânia. Com filmagem e produção irrepreensíveis, a par do melhor som que é possível desejar, este é, sem dúvida, um registo a não perder, quer para quem não teve a oportunidade de experimentar na pele a sensação de um concerto com a formação clássica aqui presente, quer para quem já é fã da banda e, nesse caso, por maioria de razão, não pode (nem deve) passar sem este documento que regista um momento (provavelmente) irrepetível de uma formação histórica, que vale a pena guardar.

in Clip (Diário de Aveiro), 3 Novembro 2011

NOMAD

«Transmigration of Consciousness»
(Witching Hour Productions, 2011) [8.5/10]

Reduzindo uns furos na brutalidade inconsequente e na frequência de lugares comuns que atormentaram o álbum anterior, «The Independence of Observation Choice» (2007), e apostando agora num esforço inaudito de criatividade, os Nomad acabam de apresentar aquele que é talvez o disco mais notável de uma carreira que já se prolonga desde 1994. Menos preocupada com a velocidade, a formação polaca traz-nos desta vez um death metal com um trabalho rítmico vincadamente solto e inventivo, e muito mais focado na criação de uma atmosfera negra e densa. Como aspecto digno de nota este quinto registo de originais contém uma série de curtos interlúdios/intros de sonoridade sinfónica ou industrial, conduzidos por teclados, que fazem a ponte entre os temas principais, conferindo eficazmente fluência ao álbum e um sentido muito mais grandioso. Podíamos bem destacar o cadenciado “Identity with personification” ou o rodopiante e marcial “Pearl evil” mas a verdade é que a música se mantém fiel a elevados padrões de qualidade em praticamente toda a duração do disco. A única queixa que ocorre é com o vocalista Bleyzabel Balberith: a sua voz mais grave é demasiado flat e desprovida de vida; só se salva mesmo quando aplica o seu registo black metal como acontece no excelente “Raised irony”. Com um artwork verdadeiramente assombroso, «Transmigration of Consciousness» é um trabalho ambicioso e muito bem conseguido, que está cheio de momentos galvanizantes. Um verdadeiro épico para ouvir de fio a pavio de uma só vez, que, estou certo, valerá cada minuto do vosso tempo.

in Clip (Diário de Aveiro), 29 Setembro 2011

NADER SADEK

«In the Flesh»
(Season of Mist, 2011) [7.5/10]

Este é um projecto curioso. O seu mentor, que empresta o nome à banda, não toca nenhum instrumento e, segundo parece, só compôs uma pequena parte da música. Tornou-se conhecido no meio do metal como o arquitecto das impressionantes instalações e efeitos visuais que ornamentaram os palcos de bandas como Mayhem e Sunn O))), sendo este álbum o registo da sua primeira incursão nos domínios da música propriamente dita. E para concretizar da melhor maneira esta sua ambição, o artista em causa pegou nos conceitos e nos esboços musicais que idealizou e depositou-os nas mãos de gente competente: o ex-Morbid Angel Steve Tucker (voz), Rune Eriksen dos Ava Inferi (ex-Mayhem, guitarra) e Flo Mounier dos Cryptopsy (bateria). O que resultou é death metal de inegável qualidade. Todavia, com excepção do intro e de dois curtos interludios (inteiramente redundantes, diga-se), bem como o belo instrumental “Nigredo in necromance”, este é um álbum caracterizado essencialmente por uma sonoridade e estilo perigosamente próximos de... Morbid Angel com rasgos de Death e... Mayhem. É certo que é um mimo sentir Eriksen a exercitar os dedos nas seis cordas com uma rapidez e técnica inéditas desde os tempos de «Ordo ad chao», assim como é delicioso apreciar a criatividade e a precisão com que Mounier castiga o seu kit. Contudo, tratando-se de um trabalho que resultou de uma associação inusitada entre um artista de outras artes e um conjunto de músicos de craveira (já para não falar do rol de convidados ilustres que participaram: Attila Csihar, Tony Norman, etc), seria de esperar daqui nada menos do que alguma inovação. Em lugar disso fica a sensação de muita parra e pouca uva.

in Clip (Diário de Aveiro), 8 Setembro 2011