quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ABSU

«Abzu»
(Candlelight, 2011) [7.5/10]

Neste sexto registo de estúdio Proscriptor McGovern e Cia apresentam-nos um trabalho que se pauta pelo essencial do black-o-thrash speedado e estridente que sempre caracterizou a sonoridade da banda, mas numa versão desta vez ainda mais crua e directa do que tem sido habitual. Sem surpresas, somos fustigados por um tornado incessante de riffs rasgados, percussões diabólicas e vocalizações ríspidas, que concorrem para produzir os momentos verdadeiramente contagiantes a que banda Texana há muito nos habituou. Como temas de destaque podemos apontar “Circle of the oath”, “Abraxas connexus” e muito especialmente o épico de 15 minutos “A song for Ea”, apesar desta se apresentar, estruturalmente, como uma colagem desconchavada de segmentos algo incoerentes, em lugar duma peça fluente como seria de esperar. Em suma, é sem dúvida um álbum à altura do estatuto dos Absu, conquanto não esteja ao nível dos dois últimos discos. A insistência em ritmos sempre muito rápidos, sem alguns andamentos mais refreados a criar algum contraste, não ajuda a agarrar a atenção, e o resultado é um disco – já de si curto para os padrões da banda – que termina quase sem nos apercebermos. Claramente, faltou o engenho e a inspiração patentes em «Absu» e «Tara», havendo várias alturas em que o disco perde parte do interesse, como é o caso da segunda metade da citada “A song for Ea”. Quem conhece a banda norte-americana sabe bem que são capazes de melhor. E se o próximo registo for deveras o álbum derradeiro da carreira dos Absu – como o próprio McGovern sugeriu recentemente –, então não se exige nada menos do que uma despedida em grande.

in Clip (Diário de Aveiro), 26 Janeiro 2012

ANAAL NATHRAKH

«Passion»
(Candlelight, 2011) [8.5/10]

Para nos lembrar o que há de mais podre e abominável na existência humana, aqui estão de regresso os necro-terroristas Anaal Nathrakh com o que aparenta ser um dos cocktails mais odiosos e devastadores de black/death/grind de que há memória. Usando alguns elementos industriais e, desta vez, ainda mais blast beats do que o costume, os temas deste sexto registo de originais são cuspidos ferozmente a uma velocidade verdadeiramente homicida, quebrando só ocasionalmente em andamentos mid-paced os quais enaltecem ainda mais as explosões selváticas de raiva que se sucedem. Ao contrário dos dois álbuns anteriores, «Passion» volta a dar relevo à componente black metal que originalmente dominou a arte iníqua da formação britânica, o que é por demais evidente nos riffs de “Drug fucking abomination” e de “Le diabolique est l’ámi du simplement mal”, bem como nas linhas de guitarra em tremolo que usam (e até abusam) ao longo do disco todo. Como sempre, V.I.T.R.I.O.L. (Dave Hunt) é absolutamente arrepiante na sua performance, ora berrando/grunhindo como se não houvesse amanhã a ponto de quase cuspir os próprios pulmões (perto dele a maioria dos vocalistas são autênticos meninos de coro!), ora com magnificas vocalizações limpas e dramáticas que usa aqui com mais frequência nos refrães. «Passion» pode até não ser o melhor de sempre da dupla Hunt/Kenney, mas não há dúvida que traduz bem a imagem ameaçadora – mas inebriante – de um niilismo sem redenção e dum genocídio sónico que não dá tréguas. Em volumes elevados pode afectar o equilíbrio e até produzir náuseas. Estão avisados!

in Clip (Diário de Aveiro), 5 Janeiro 2012

UTOPIAN.HOPE.DYSTOPIAN.NIHILISM

«Pact with Solitude»
(edição de autor, 2011) [7/10]

Para fazer a devida justiça a este álbum de estreia do projecto a solo de Élvio Rodrigues devo começar já por dizer que é um trabalho com muito de original em praticamente todos os aspectos artísticos relevantes: musical, lírico e gráfico. Nos seus quarenta minutos de duração inclui desde momentos ambientais e progressivos a passagens rápidas e ásperas (death/black), mantendo-se no entanto suficientemente afastado dos parâmetros típicos de qualquer sub-género particular conhecido. Em geral, a composição é bastante sofisticada e de grandes dinâmicas, proporcionando momentos bem conseguidos cujo sucesso se fica a dever também ao elaborado conceito lírico existencialista e pessoal. Contudo, o êxito deste invulgar esforço criativo fica muito comprometido por algumas infelicidades, apontando-se a produção crua e algo descuidada como a mais dramática de todas. O resultado é que a guitarra ritmo soa excessivamente grave, o baixo surge muito embrulhado e os segmentos extremos não têm a força que deviam. Em certas partes os temas são um pouco idiossincráticos, faltando-lhes alguma daquela fluidez que torna a audição mais atractiva. Por fim, o tema “Self-inflicted metamorphosis” deixa mais que evidente que as vocalizações extremas não são o forte deste multi-instrumentista oriundo da Madeira. É possível que «Pact with Solitude» seja um trabalho demasiado ambicioso para uma estreia. No entanto, por ser arrojado é também de louvar, quanto mais não seja por contrariar a triste tendência da maioria dos músicos que se contentam com imitações (e ainda são aplaudidos por isso).

in Clip (Diário de Aveiro), 5 Janeiro 2012