segunda-feira, 29 de novembro de 2010

JALDABOATH

«The Rise of the Heraldic Beasts»
(Death to Music/Napalm Records, 2010) [9/10]

“And now for something completely different” parece ser o aforismo apropriado para apresentar este disco, por um lado porque é realmente diferente e original, e por outro porque tem no humor que o caracteriza a inequívoca influência dos célebres Monthy Pytton. Em toada rejubilante, as canções narram em tom sarcástico os feitos rocambolescos de guerreiros medievais, baseando-se em melodias que tanto assumem o carácter de hinos pomposos, como a ingenuidade de temas infantis. A base rítmica é possante, embora algo mecanizada, e a música, que sugere bem o espírito trocista das letras mesmo nas faixas aparentemente sérias de inspiração literária, é quase sempre conduzida por teclados que imitam instrumentos como o trompete, bem como outros de sonoridade distintamente medieval. Na frente desta formação britânica está o eclético James Fogarty que já assinava como Jaldaboath nos tempos em que integrava os excepcionais The Meads of Asphodel. E aqui deve notar-se que a recuperação do heterónimo não surge à toa, dado que tanto a abordagem pouco ortodoxa como o registo vocal grave de Fogarty nos remetem ocasionalmente para o universo dos The Meads. Contudo, esta é uma entidade artística muito diferente, com uma oferta singular mesmo entre as propostas de folk metal já existentes. Um disco descontraído que a banda descreve, segundo o bom-humor que lhes é característico, como “hammering heraldic metal” ou “crusade-core”, e que na verdade encerra nada menos do que os melhores quarenta minutos de entretenimento musical do ano.

in Clip (Diário de Aveiro), 25 Novembro 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

DR SALAZAR

«Lápis Azul»
(edição de autor) [7/10]

Caso curioso no rock pesado nacional, os Dr Salazar estão prestes a completar os primeiros dez anos de uma carreira marcada tanto pela teimosia em persistir num caminho deveras singular na música de intervenção, como pelas alegadas dificuldades que a postura polémica lhes tem causado. Depois dum interregno de quatro anos, o grupo está de regresso com um álbum que remete desde logo para o universo histórico da ditadura salazarista, temática que sempre foi, por assim dizer, a raison d’etre do colectivo da Amadora, mas que já surge aqui em dose mais moderada. “Lápis Azul” conta com dez novos temas de hard rock acutilante e musculado, com alguns riffs de recorte industrial e apontamentos bem colocados de sintetizadores que conferem um leve toque sci-fi. A progressão em relação ao álbum anterior, “Antes & Depois”, acusa um vago amadurecimento que é patente quer nos temas com refrães contagiosos que incitam a acompanhar, como “Aqui d’hell rei” e a faixa-título, quer noutros, mais contidos, como é o caso de “Erupções”. Contudo, o disco também tem momentos que não parecem funcionar muito bem. Por exemplo, há segmentos em “Casos” e em “Todos querem falar”, onde o texto declamado pelo Manuel d’Albuquerque, ou é desprovido de qualquer musicalidade, ou está em completa dissonância com a restante sonoridade, surgindo forçado e anacrónico no contexto. Trata-se de um arranhar de ouvido que não é novidade nos Dr Salazar, mas que surpreende mais por se tratar do segundo álbum.

in Clip (Diário de Aveiro), 11 Novembro 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ALLEGAEON

«Fragments of Form and Function»
(Metal Blade, 2010) [7/10]

As primeiras impressões sugerem que estamos perante mais uma proposta de death melódico de expressão hardcore, o género que a Metal Blade decidiu abraçar de forma quase obsessiva desde há alguns anos para cá. Mas uma audição atenta revela que há aqui algo um pouco mais excitante do que isso. E isso resume-se basicamente ao produto artístico de dois guitarristas fenomenais – Ryan Glisan e Greg Burgess –, que nos brindam aqui com um festival incessante de rodopios melódicos e acrobacias alucinantes nas seis cordas, a par de solos brilhantes bem ao estilo de um Malmsteen. Tudo isto executado sobre uma muralha rítmica esmagadora, com blast beats de perfurar tímpanos a invocar imagens de bulldozers em marcha desenfreada. Os riffs encorpados remetem por vezes para os Nevermore, e a abordagem técnica é análoga à dos Revocation. Os melhores temas têm qualquer coisa de progressivo, como é o caso de “The god particle”, um dos mais aditivos, “Accelerated evolution”, com a sua prolongada sequência instrumental, e “Across the folded line” que sobressai também pelo refrão contagiante. Mas muitas faixas também passam sem deixar qualquer marca. Além disso, o desempenho vocal de Ezra Haynes não está ao nível da exibição dos restantes músicos, e sente-se a falta de aspectos musicais mais distintos que substituam os traços do ubíquo e desgastado death ao estilo sueco que espreita a cada passo. Apesar de tudo, esta é sem dúvida uma estreia impressionante duma jovem formação norte-americana com muito potencial para materializar.

in Clip (Diário de Aveiro), 4 Novembro 2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

LANTLÔS

«.neon»
(Prophecy Productions, 2010) [9.5/10]

Entre os grandes lançamentos a registar em 2010, «.neon» é uma daquelas raras peças de arte com o dom de nos fazer transcender o mundano; um trabalho com tanto de fascinante como de perturbador, que combina mantras post-rock de riffs lentos e introspectivos, tiradas furiosas de um black metal atmosférico carregado de emoção, e segmentos tranquilos onde o jogo de bateria e baixo (com algum piano de permeio) projecta uma atmosfera deliciosamente jazzy. O vocalista Neige (Alcest) apresenta aqui uma performance de apertar o coração, e chega até a ser arrepiante a convicção que coloca nas manifestações mais desesperadas (sintam a expressividade de «These nights were ours», onde o homem quase esganiça). O seu registo natural (aqui, pouco frequente) em «Pulse/surreal» veicula candura, e aproxima-se, curiosamente, do tom aveludado da diva da soul Sade Adu (!). Depois da estreia pouco promissora oferecida num rudimentar homónimo lançado em 2008, parece que Herbst, o multi-instrumentista germânico responsável por este projecto, acaba de reinventar os Lantlôs, sendo Neige uma das peças essenciais desse sucesso. Dessa reinvenção resultou um álbum perfeitamente equilibrado, com uma construção tão sublime que é capaz de fazer eriçar o cabelo da nuca; um disco mágico que toca no mais intimo que há em nós e em que o todo excede sempre a soma de cada uma das partes. Desliguem-se por um momento das vossas vidinhas rotineiras, baixem as luzes, e deixem-se embarcar nesta experiência quase religiosa que é «.neon».

in Clip (Diário de Aveiro), 4 Novembro 2010